1968
29 de Outubro
Terça-feira, 14h00
Café Solmar.
A minha alma jubila e canta de emoção ao som do tema da canção «Regresso», que ecoa no ar, na voz de
António Calvário e que parece ouvir-se mesmo a propósito: − «Ó minha terra, onde
eu nasci/ Quantas saudades eu tinha de ti…/Ai, ai, ai.../Velhos caminhos como é
bom voltar...». O meu coração vibra e bate, bate tão apressadamente, que
parece até querer saltar para fora do peito.
É já amanhã. Antecipou um dia. Embarco amanhã. O embarque
foi antecipado em um dia da data prevista. Tivemos que repor, na Companhia, um
dia de pré que tínhamos recebido a mais.
Ontem fui jantar fora mais o amigo guerreiro e quatro
camaradas também amigos.
O jantar foi frango no churrasco, vinho verde a acompanhar
e Uísque no fim. A seguir fomos ao cinema. Fomos para o balcão e por duas vezes
me enganei na minha cadeira.
Tenho os nervos em frangalhos. Estas
últimas horas têm sido muito duras. Emagreci, até. Eu sinto-me fraco e os meus
camaradas também mo dizem.
Não exteriorizo epansivamente os meus sentimentos de
alegria, como a maioria dos meus camaradas. Acumulo todas as convulsões dentro
de mim e estas deitam-me abaixo.
Todos estes 24 meses, aqui passados, foram vividos com
sobressaltos e angústias, mas, estes últimos meses, estas últimas semanas,
estes últimos dias e as últimas horas, têm sido de uma ansiedade elevada ao
extremo. Tenho a sensação de estar a viver um sonho muito confuso em que tudo me escapa,
tudo me foge, tudo está longe; quero lá chegar depressa e tudo fica mais longe,
ainda. É algo de indescritível, de maravilhoso; algo como um farol que aponta o
caminho da barra a uma embarcação desnorteada.
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