domingo, 21 de janeiro de 2018

É já amanhã



         1968
29 de Outubro
Terça-feira, 14h00

   Café Solmar. A minha alma jubila e canta de emoção ao som do tema da canção «Regresso», que ecoa no ar, na voz de António Calvário e que parece ouvir-se mesmo a propósito: «Ó minha terra, onde eu nasci/ Quantas saudades eu tinha de ti…/Ai, ai, ai.../Velhos caminhos como é bom voltar...». O meu coração vibra e bate, bate tão apressadamente, que parece até querer saltar para fora do peito.          

É já amanhã. Antecipou um dia. Embarco amanhã. O embarque foi antecipado em um dia da data prevista. Tivemos que repor, na Companhia, um dia de pré que tínhamos recebido a mais.

Ontem fui jantar fora mais o amigo guerreiro e quatro camaradas também amigos.
O jantar foi frango no churrasco, vinho verde a acompanhar e Uísque no fim. A seguir fomos ao cinema. Fomos para o balcão e por duas vezes me enganei na minha cadeira.
Tenho os nervos em frangalhos. Estas últimas horas têm sido muito duras. Emagreci, até. Eu sinto-me fraco e os meus camaradas também mo dizem.
Não exteriorizo epansivamente os meus sentimentos de alegria, como a maioria dos meus camaradas. Acumulo todas as convulsões dentro de mim e estas deitam-me abaixo.  
Todos estes 24 meses, aqui passados, foram vividos com sobressaltos e angústias, mas, estes últimos meses, estas últimas semanas, estes últimos dias e as últimas horas, têm sido de uma ansiedade elevada ao extremo. Tenho a sensação de estar a viver um sonho muito confuso em que tudo me escapa, tudo me foge, tudo está longe; quero lá chegar depressa e tudo fica mais longe, ainda. É algo de indescritível, de maravilhoso; algo como um farol que aponta o caminho da barra a uma embarcação desnorteada.   


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