1968
11 de Agosto
Domingo, 20h00
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Secção. Estou
sozinho. Os meus camaradas de serviço e o Jorge Guimarães saíram à pouco indo às
suas vidas. Eu aqui fiquei e assim que acabar de escrever esta narrativa,
fardo-me e vou para o quartel.
Ontem à tarde e hoje vesti-me à civil para tirar umas
fotografias. Neste momento estou bastante enervado porque comecei a desenhar e
não consegui fazer algo que jeito tivesse.
O Guimarães trouxe-me correio mas nem isso me conseguiu
acalmar, para mais que as notícias também não são muito boas. A minha Mãe há
quase um mês que me despachou uma encomenda com material de desenho e ainda a
não recebi. Fiquei zangado e cometi a estupidez de escrever um aerograma à
minha Mãe, como se ele tivesse culpa, coitada.
Ela, para me acalmar, pobre Mãe, enviou-me 20 escudos, amortalhados em papel químico, dentro
de um aerograma, sem o Pai saber. Porque, se soubesse, seria o fim do mundo lá
em casa.
Diz o meu irmão, José Maria, no aerograma que me escreveu,
que o nosso «velho» está cada vez mais cruel. Fartou-se de massacrar as
infelizes, quando soube que eu pedi o material de desenho.
O meu irmão está de licença, foi a casa e sabendo do que se
estava a passar, apressou-se a comprar outro material e enviou-o por um avião
dos TAP.
As notícias da minha namorada, também não são muito
animadoras. Alguma gentinha, lá do sítio, anda a encher-lhe a cabeça para nos
separar e pelo conteúdo das suas cartas ela está confusa e indecisa.
O capitão C. Álvares foi-se embora da secção e para o lugar
dele veio um major tão jarreta como a
outra flor….
Ontem à noite fui ver um programa de ilusionismo
protagonizado pelo ‘conde d’Aguillar’¹ que anda em
digressão pelo Ultramar.
Creio que nunca irei esquecer-me de, a dada altura do
espectáculo, após um número de magia ter falhado, creio que de propósito, o conde ter contado uma história em jeito
de metáfora após a vaia e a pateada da plateia.
Num lapso de tempo,
houve-se a voz do conde no balcão e
toda a plateia se vira para trás. Uns a vaiar:
- Uh! … Uh! … Uh! …
Outros a bradarem de espanto:
- Oh! … Oh! … Oh! …
Então, ele começa a contar a história de quando era
rapazinho distrair a família com as suas pantominas:
- Um dia fui passar férias para a quinta do
meu Avô, ali para os lados de Alenquer, e soltei os burros que estavam fechados
dentro de uma cerca. O Avô, zangado, pergunta-me aonde é que estão os burros ao
que eu respondo, com a minha traquinice de então, que os fizera desaparecer.
Então o Avô, com uma das suas frases sábias, diz-me:
- Olha meu neto,
fica sabendo, esses burros multiplicar-se-ão ao longo da tua vida e, hão-de
perseguir-te sempre, para qualquer lado que vás!
Ao mesmo tempo o conde
esticava o braço na direcção da plateia e com o indicador afilado, apontava:
- Ei-los aqui!
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¹ [Nome de cartaz do
artista, ilusionista consagrado de seu nome Saul Fernandes de Aguillar.]
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