1968
30 de Julho
Domingo, 14h00
Café Internacional. Não sei o que isto tem de
internacional. Só se é pelos internacionais do Continente. Não devo fazer
juízos que eu de «internacionalidades»
nada sei. Também eu sou um dos que veio das berças
para Lisboa e daí só saí para vir pr’á tropa. O ambiente até que
é convidativo, porque tem sempre uma boa música de fundo. Neste momento ouve-se
Amália Rodrigues em «Tudo isto é Fado».
Amanhã é o meu último dia de férias. Já sinto saudades do
convívio do trabalho. Vamos lá a ver como será o novo chefe da secção. Os meus camaradas,
que encontro sempre na rua, dizem-me que não é flor que se cheire.
E que mais tenho eu para contar. Apenas que tenho andado “teso”, como vai sendo hábito. O
contrário é que seria de admirar. Vão-me valendo os camaradas mais abonados,
até receber dos trabalhos que tenho feito.
Cada vez, as matérias do curso estão a ser mais complicadas
e o CETOP já me informou que, a partir deste mês, por motivos que lhes
são alheios, somente me vão enviar um caderno de exercícios por mês, o que me
desanima bastante. A ser assim, só terminarei o curso próximo do fim do ano que
vem. O curso é composto de 45 cadernos com várias matérias, como já referi, e,
neste momento, ainda me faltam 19.
Vai acontecer que, quando me candidatar a um emprego, terei
de dizer que ando a acabar o curso, o que é bem diferente de dizer, que tenho o
curso concluído.
Este curso de desenho é muito completo, já o disse, e, com
ele terminado, estou confiante que poderei arranjar um emprego nesta área.
Vamos lá ver se os meus planos não saem furados porque também acredito que
outros que, para além desta aptidão, possuam um curso industrial ou comercial
tenham outras chances. Embora tivesse
frequentado qualquer destes cursos, por diferentes motivos, − um deles o serviço militar − não fui para além
do segundo ano.
Descobri esta veia para o desenho técnico agora e, não
sendo ainda tarde, tenho de fazer dela o meu cavalo de batalha. Não tenho outra
alternativa. Os empregos que tive antes não vingaram e a cadeira que deixei
vazia num escritório, para assentar praça, não estará à minha espera após uma
ausência de mais de quatro anos.
Esta vocação que agora descobri creio que terá um pouco a
ver com máquinas; sempre gostei de engrenagens e de as desenhar. Quando era
pequeno desmanchava tudo que tivesse rodas. Lembro-me de ter desmanchado um
relógio de mesa, só porque tinha duas figuras que se moviam com o tic-tac da máquina. Lembro-me bem das
personagens que as figuras representavam. Ai se me lembro…! Levei uma valente
sova. Ao montá-lo sobraram peças e o relógio teve de ir para o relojoeiro.
Caderno da revisão dos exercícios do curso de desenho do CETOP
Quando andava na escola e me perguntavam o que queria ser eu dizia que queria ser mecânico de automóveis e, então, havia pessoas, incluindo a minha professora, que me diziam que isso era muito bom e que um dia ainda poderia vir a ser maquinista dos comboios.
Quando andava na escola e me perguntavam o que queria ser eu dizia que queria ser mecânico de automóveis e, então, havia pessoas, incluindo a minha professora, que me diziam que isso era muito bom e que um dia ainda poderia vir a ser maquinista dos comboios.
Animado por esta ideia quando saí da escola, com os meus 12 anos, tive o meu primeiro emprego, (trabalho), no ferreiro da terra a dar ao fole da forja e a malhar na bigorna o ferro em brasa.
Dizia o ‘Manel ferreiro’ à minha Avó:
- Se o rapaz quer ser mecânico, tem de começar por aqui!
Mais tarde, quando vim para Lisboa, com treze para 14 anos, comecei, então, a trabalhar na mecânica de automóveis como aprendiz e a ganhar, à semana, 5 escudos por dia, com direito a semana-inglesa, tendo, anos mais tarde, já como primeiro ajudante de mecânico, abandonado a profissão que agora não estará de todo excluída a hipótese de a retomar.
O meu amigo Mário escreveu-me há dias a perguntar-me se eu queria que ele me matriculasse na Escola de Artes Decorativas de António Arroio, aonde tinha andado perto de dois anos e que interrompi por ser mobilizado. Escrevi-lhe a agradecer-lhe e que, quando regressasse, logo decidiria.
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