1968
16 de Abril
Terça-Feira, 21h00
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Secção. No Domingo, ao passear pela cidade,
encontrei dois camaradas amigos que vieram do ‘mato’ para visitarem camaradas seus conhecidos que estão feridos
no hospital. Não é que não tivesse que fazer mas, para espairecer, aproveitei a
boleia e fui com eles.
Estes camaradas, que fomos visitar, estavam em uma
enfermaria destinada a doentes com ferimentos ligeiros. Tinham várias mazelas
no corpo, provocadas por estilhaços de granadas, que são sanadas com pequenas
cirurgias.
Á saída da enfermaria para o corredor esbarramos com um
camarada enfermeiro nosso conhecido e com ele fomos visitar outras enfermarias
que, mais valia não tivesse-mos ido, de tão perturbados que ficamos. Mas a
curiosidade foi mais forte.
Pelos corredores fomos vendo e sentindo a dor traumatizante
de camaradas mutilados no corpo e na alma: uns, sem uma perna, arrastando-se em
muletas; outros, sem as duas pernas rolando em cadeiras de rodas; outros, sem
pés, sem um braço ou uma mão. Muitos deles, à espera de próteses encomendadas
em clínicas na Alemanha. Uma calamidade humana!
Nas enfermarias, o que vimos e sentimos foi ainda pior:
camaradas com o corpo todo enfaixado de ligaduras da cabeça aos pés, que mais
pareciam múmias; pernas e braços engessados, levantados e esticados ao alto;
uns, ligados só com o coto da perna ou do braço; outros, com parte do corpo,
senão o corpo todo, em carne viva que mais pareciam estar virados do avesso;
outros… Visões horripilantes entrecortadas por gemidos dilacerantes.
Na última enfermaria vimos um indivíduo de cor numa lástima
indescritível e, admirados, perguntamos se era algum terrorista.
Não, é tropa das
nossas fileiras. Esses estão em enfermarias isoladas. Respondeu o enfermeiro.
Antes de sairmos, no cruzamento de dois corredores, o
enfermeiro explica-nos:
Neste corredor, ao
fundo, estão a ver aqueles PM? É a ala do hospital, com várias enfermarias com “turras” com ferimentos da mesma
gravidade que viram nas enfermarias dos nossos camaradas.
Prosseguindo, disse:
Estes “turras"
são abandonados pelos deles, aquando dos combates, e recolhidos pelas nossas
tropas que, ao mesmo tempo, vão sendo tratados e interrogados pelo serviço de
informações da PIDE.
Para completar este cenário de horrores, quando estávamos
cá fora, a caminho do regresso, vimos maqueiros e enfermeiros numa correria,
curvados, com as macas para a pista dos hélios
ao mesmo tempo que iam chegando, um a um, três helicópteros dos Comandos com
evacuados.
Todos eles traziam feridos. Talvez mortos. Não soubemos.
Nem a gravidade dos feridos, nem se haveria mortos. Este acesso, mais que
compreensível, estava vedado. Somente, de longe,
poderíamos imaginar.
Lembro-me de quando cá cheguei, depois de poucos dias
passados, ter narrado nos primeiros capítulos deste diário um depósito de
viaturas militares todas empilhadas, torcidas e retorcidas dos embates das minas e das morteiradas, de ter
comentado:
Se esta amálgama
está neste estado, em que estado estarão os que nela se transportavam!
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