quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Começa a época das chuvas - Esta minha atitude leviana


       1968
       08 de Maio
       Quarta-feira, 14h00

 

    Secção. Estou um pouco cansado. Quando durmo mal ou insuficiente ando todo o dia assim; de mau humor e de uma languidez entorpecida.
        Deitei-me à meia-noite e não sei que horas seriam quando adormeci, mas já deveria ser muito tarde. Estive muito tempo a ler até que o inconsciente me vencesse.  
        De manhã tive que me levantar mais cedo para ir ao hospital. Ando em consulta externa a tratar dos dentes.

        O Direito, meu conterrâneo, embarca hoje para a Metrópole com a sua missão cumprida. Apesar de algumas vezes andarmos de candeia às avessas, continuamos bons amigos e como ele conhece a minha namorada confiei-lhe o meu serviço de chá para lho entregar em mão.¹

        Esta manhã, já choveu um pouco e o dia está mais fresco. Já não falta muito para que a chuva comece a cair torrencialmente e nos apanhe desprevenidos na rua. Aqui é assim. Está um dia de sol muito bonito e, às duas-por-três, começa a esgaçar que nem chega a dar tempo para nos abrigar.
        Começa a época das chuvas que é de Maio a Outubro.

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¹ [Esta minha atitude leviana que, depois de ter caído em mim, considerei de imponderada e irracional talvez motivada por uma patética emoção afetiva do momento que não ficou registada neste diário nem no meu espírito e que, por isso, hoje a esta distância de tempo não me lembro, custou-me a perda do meu primeiro prémio de desenho que ganhei no inicio da minha comissão no Ultramar. A chama da paixão, como todas as paixões, levou-a o vento; o amor esvaeceu e o namoro desfez-se; houve a troca da devolução da correspondência e outros objetos menores mas, o serviço de chá com figurinhas chinesas, não voltou à posse do seu laureado.
        Não obstante todo este tempo passado, liga-me a este objeto um forte sentimento de estima e recordação que, apesar de tudo, não sei, também agora, movido por que juízo penso não estar definitivamente perdido. Penso que um dia, se dia houver! seja por alma de quem for, ele (o serviço de chá) voltará à posse do seu legítimo dono, nem que seja em um qualquer esconso dos subterrâneos do além aquando da expiação dos nossos pecados,  os meus e os dela, bebendo a infusão das trevas pelo serviço de chá das doze figurinhas chinesas.]    

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