1968
08
de Maio
Quarta-feira, 14h00
Secção. Estou um pouco cansado. Quando durmo
mal ou insuficiente ando todo o dia assim; de mau humor e de uma languidez
entorpecida.
Deitei-me à meia-noite e não sei que horas
seriam quando adormeci, mas já deveria ser muito tarde. Estive muito tempo a
ler até que o inconsciente me vencesse.
De manhã tive que me levantar mais cedo para ir ao
hospital. Ando em consulta externa a tratar dos
dentes.
O Direito, meu conterrâneo, embarca hoje para a Metrópole
com a sua missão cumprida. Apesar de algumas vezes andarmos de candeia às
avessas, continuamos bons amigos e como ele conhece a minha namorada
confiei-lhe o meu serviço de chá para lho entregar em mão.¹
Esta manhã, já choveu um pouco e o dia está mais fresco. Já
não falta muito para que a chuva comece a cair torrencialmente e nos apanhe
desprevenidos na rua. Aqui é assim. Está um dia de sol muito bonito e, às duas-por-três,
começa a esgaçar que nem chega a dar tempo para nos abrigar.
Começa a época das chuvas que é de Maio a
Outubro.
¹ [Esta minha atitude leviana − que, depois de ter caído em mim, considerei de imponderada e irracional − talvez motivada por uma patética emoção afetiva do momento que não ficou registada neste diário nem no meu espírito e que, por isso, hoje a esta distância de tempo não me lembro, custou-me a perda do meu primeiro prémio de desenho que ganhei no inicio da minha comissão no Ultramar. A chama da paixão, como todas as paixões, levou-a o vento; o amor esvaeceu e o namoro desfez-se; houve a troca da devolução da correspondência e outros objetos menores mas, o serviço de chá com figurinhas chinesas, não voltou à posse do seu laureado.
Não obstante todo este tempo passado, liga-me a este objeto
um forte sentimento de estima e recordação que, apesar de tudo, não sei, também agora, movido por que juízo penso não estar
definitivamente perdido. Penso que um dia, se dia houver! seja por alma de quem
for, ele (o serviço de chá) voltará à posse do
seu legítimo dono, nem que seja em um qualquer esconso dos subterrâneos do além
aquando da expiação dos nossos pecados, os meus e os dela, bebendo a infusão das trevas pelo serviço de chá das doze figurinhas
chinesas.]
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