1968
04 de Abril
Quinta-feira, 22 horas
Café Tamar. Saí agora mesmo da secção enervado comigo
mesmo. Aborreci-me com um desenho de um suporte de chumaceira. Já por três
vezes que o repito e não há meio de ficar bem.
Não me arrelio pelas vezes que tenho de repetir os
desenhos, que até serve para praticar, mas sim pelo papel vegetal inutilizado
que agora, não me é tão fácil obtê-lo, por o meu camarada e amigo Paiva ter
terminado a sua comissão de serviço e regressado à Metrópole.
Já recebi os exercícios que estavam em atraso e as notas
são muito satisfatórias, ficando com a impressão que o professor me favorece.
O chefe da secção, capitão Campos, vai no próximo Domingo
para a Metrópole, por terminar a sua comissão de serviço. Fica,
provisoriamente, a substitui-lo outro capitão que ainda não sei o nome. Tem ares
de bom tipo.
Ontem fui ao cinema e de regresso ao quartel, uma das
viatura que transporta o pessoal de e para a cidade, o condutor ao desviar-se
de outra viatura encostou demais à berma que se não fosse uma árvore interpor-se, das muitas que há de um e
outro lado da estrada, teríamos tombado e rolado por uma ribanceira com paragem
num ribeiro a transbordar de sapos.
Felizmente não houve danos. Apeamo-nos todos e todos
empurramos até pormos o unimog na
estrada.
Por ter falado em sapos, vou aqui relatar um fenómeno
curioso e, ao mesmo tempo, repelente. Esta estrada, conhecida pelo nome de
estrada de Santa Luzia, do percurso de militares e viaturas, sai do
Quartel-General em linha recta e é ladeada de ambos os lados por árvores frondosas,
sendo muitas delas mangueiras, que
dão um fruto muito apetecido que é a
manga e, ainda, de um dos lados, por um riacho em quase toda a sua
extensão, vai desembocar na cidade, pegando, igualmente em linha recta, com a
Avenida Américo Tomás, que lhe dá seguimento, até ao Forte da Amura. Na época
das chuvas, que está quase a começar e se prolonga até Novembro, durante a
noite, estes anfíbios, atraídos pelo calor do alcatrão, sobem à estrada e, sem
apelo nem agravo, são esborrachados e espalmados pelos pneus das viaturas.
Quando fazemos este percurso a pé, de regresso ao quartel,
somos bombardeados com membros fragmentados destes batráquios que explodem
debaixo dos rodados das viaturas e se projectam contra o nosso corpo.
Quando entramos no quartel ainda vamos a sacudir o resto de
patas, vísceras e outros pedaços do canastro destes animais. No dia seguinte,
até chega a ser impressionante; a estrada está juncada de tanto bicho esmagado.
Na noite seguinte e em todas as noites, enquanto durar a época das chuvas, este
degradante e deplorável espetáculo, repete-se.
É frequente, no final da época das chuvas com o início da
época seca, devido ao calor e à humidade dos trópicos, a cidade ser invadida
por pragas de insectos voadores e rastejantes de grandes proporções,
provenientes das bolanhas do
interior, (charcos enormes de águas estagnadas onde fecundam os malfadados
mosquitos que, provocam a febre da malária, através da sua mordedura).
Normalmente, estas invasões de insectos são feitas de
noite, atraídos pela luz dos candeeiros. Há camaradas que têm tochas
preparadas, para lhes fazerem um acolhimento «caloroso» e, de braço esticado no
ar, junto às casernas, os estorricam com a chama dos fachos.
Ouve-se o som característico do crepitar das asas a arder e
dos corpos torrados a rebentarem, deixando no ar um cheiro infecto e
nauseabundo. No dia seguinte, é impressionante ver o chão completamento
lastrado dos cadáveres destes bichos que chegam a ter o tamanho de um dedo.
Outras vezes, senão simultaneamente, as invasões são
terrestres. Um sem número de bichos a rastejar pelo chão dos quais se destacam
os grilos e as formigas com asas. Estas, também enormes, levantam voo e
sobrevoam as nossas cabeças, como se fossem a aviação inimiga.
No meio desta bicharada está o temível mosquito causador do
paludismo e outras doenças dos
trópicos que, segundo ouço, se manifestam, em muitos casos, mais tarde com o
avançar da idade.
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