1968
25 de Maio
Sábado, 21h00
Mas, para quem
estou eu a falar! Porventura, já estarei cacimbado?
Oh! Dá-me vontade de rir! Não! Apetece-me antes chorar.
Estava a falar com a minha namorada. Aliás, com a sua
fotografia. É bonita. Gosto muito dela. O cacimbo, ao fim de algum tempo, provoca
estes delírios. Daqui, a distância à loucura, é menor que um passo. Porém, vou
continuar. É a minha companhia de todos os dias e fala-me duas vezes por
semana, através das palavras escritas nas suas cartas. Escreve mal e
expressa-se pior, mas eu também o não faço melhor. Quando se ama, tudo o resto
é acessório. É como diz o velho ditado: «Quem feio ama bonito lhe parece».
Já me disse, em uma das suas cartas, que lhe foi entregue o
serviço de chá com figurinhas chinesas e que, não cabe em si de contente, por
ter gostado muito.
Tenho a impressão que me vou sentir um pouco só. O amigo
Torres, lá se vai embora, na próxima Segunda-feira. O Direito, meu conterrâneo,
também já foi e, a mim, ainda me faltam cerca de seis meses.
Vou ficar aqui sozinho dentro destas quatro paredes que não
basta saturarem-me o espírito e a alma durante o dia, quanto mais à noite,
ainda. Mas sou obrigado. Obrigado, isto é; sou eu que me obrigo a mim próprio.
Só aqui, no barulho do silêncio, com os fantasmas da noite; o ruído do caruncho
a roer a madeira, as traças a traçarem o papel, a rastolhada dos ratos à
procura de cama para os ninhos, poderei fazer os meus trabalhos.
Também já não terei o rádio transístor para ouvir música,
durante as horas que aqui fico. A música tem sido de todos, de quantos a
queiram ouvir, mas o rádio que a transmite é do Torres e ele não quer
desfazer-se dele. Vai levá-lo consigo, como companheiro das horas que não
passam. Das horas tristes e solitárias.
Vou ter de arranjar
paciência para conseguir vencer estes 160 dias que ainda me faltam e que,
quanto mais se aproximam do fim, mais difíceis se tornam.
Só em pensar que hoje fiz, precisamente, 19 meses que saí
de Lisboa já me anima.
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