segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

lhes extirpam o clítoris, dilacerando-lhes outras partes do órgão genital




        1968
12 de Setembro
Quinta-feira, 21h00


    Ânsia! Expectativa! Há momentos que o coração bate mais depressa. Fala-se em barco fretado para o dia seis do próximo mês mas, ainda, não está confirmado oficialmente.
Eu e o meu camarada Araújo já pedimos ao nosso chefe de serviço para nos fazer as notas de dispensa do serviço.
O camarada Araújo tem mais garantias de dispensa de serviço, por não precisar de substituto. O meu substituto vem da Metrópole e até já foi requerido. Mas antes que cá chegue! O meu chefe disse que me dispensava se eu arranjasse um camarada que desenrascasse o meu serviço e, à hora do almoço, fui à Companhia, arranjei um que bem pode substituir-me. Até parece que eu sou insubstituível!
Não posso deixar de aqui referir um episódio que se passou comigo, no entremeio destes dois capítulos, deveras curioso que me deixou estupefacto e prostrado.
Era um Domingo de tarde e, na companhia de mais dois camaradas, com o objetivo de satisfazer o nosso apetite carnal, fomos dar uma volta por uma zona de tabancas nos arrabaldes, a norte da cidade.
Aí, logo no começo da tabanca, encontrámos umas casas que, não sendo casa nem palhota, eram um misto de paredes de alvenaria caiadas a branco com telhado de zinco malhado de ferrugem.
É normal encontrar-se este tipo de habitações no confronto da cidade que, por isso, beneficiam de algum conforto citadino, como a água e a luz.
Se prosseguisse-mos para o interior, entrava-mos verdadeiramente na tabanca e iríamos, então, encontrar as palhotas com paredes de adobe, telhados de palha, alguns revestidos a barro e outros de zinco, e o chão em terra batida, sem qualquer conforto ou higiene, coabitando no mesmo espaço, com os humanos, animais como; porcos, cabras, galinhas e até macacos.
Ficámos por ali, e metemos-nos à conversa com umas mulheres que por aí estavam na cavaqueira, no exterior de uma destas casas, ora sentadas na soleira, ora encostadas aos umbrais das portas.
E porque a experiência lhes diz ao que vamos, perguntaram logo:
- Eh, branco parte catota?  
Lá nos espalhamos, um por cada casa.
Como algures já disse, nesta situação, isto não dá para escolher. Com o isco que temos, é o que vem à rede e à que despachar para não enjoar.
 A mulher ao desprender e deixar cair no chão a capulana, veste em tecido que envolvia a sua nudez, deixou evidentes as linhas do seu corpo que, não sendo nenhuma bajuda, ainda era muito nova.
 Além das linhas sinuosas do seu corpo tinha, até, uma cara bonita sem o nariz achatado nem o traseiro alçado; os peitos eram pequenos, ainda espetados e a sua pele era de uma cor bronze aveludada. O cenário da alcova, não sendo nada de especial, para além de uma cama em ferro, estava em consonância com o acto animalesco que se iria seguir.
É então que acontece o insólito ao verificar, quando ela 'abri pé”, que o seu sexo está totalmente mutilado.
Fiquei de tal forma perplexo que pensei porque isto me acontece a mim, lembrando-me de um outro episódio, também ele insólito, que me aconteceu no início pouco depois de cá ter chegado.
É evidente que a “verga” foi-se logo abaixo. Nem de outro modo ela se ergueria. Agora, depois do que vi, só um milagre: - disse-lhe.
Comecei a vestir-me, ao mesmo tempo que me interrogava: - Se ela não tinha tatuagens incrustadas no corpo, como muitas têm, porquê ali?
Reparando que ela ficou triste e amuada, perguntei-lhe se o que vi tinha algo a ver com as tatuagens de protuberâncias que certas raças fazem na pele, ou o que era aquilo. Ela respondeu-me que não. Não tinha nada a ver, dizendo:
 - Quando “i minina, na dia garandi na tchom, cu mas minina, fasi maldádi a catota di nós”. 
Enojado e confuso com tal descrição e o calor que se fazia sentir dentro da casa, transmitido pelo telhado de zinco, comecei a sentir náuseas e, pagando-lhe, saí afrontado para a rua apanhar ar. Ela, pouco depois, embrulhada na capulana, sai a correr e quer devolver-me o dinheiro, o que não aceitei.
Regressámos os três à cidade e pelo caminho contei aos meus camaradas o que me tinha acontecido.
Admirados, mas com o à-vontade dos entendidos, diz-me um:
 - O quê! Não me digas que, depois desta abstinência toda, não “desenferrujastes o prego”!   
Diz o outro:
 - Eh pá! A mim, já não tem conta, as “nharras” que me saem na rifa com a “racha” assim!
Sentamo-nos à mesa do café e então, conversando com outros camaradas regressados do ‘mato’, fiquei a saber que há raças, sobretudo da religião muçulmana, como: a futa-fula; a mandinga; a biafada; entre outras que, num ritual coletivo de crença religiosa, em certa data do ano, agrupam todas as meninas da tribo e, a sangue frio, amarradas pelos próprios parentes, lhes extirpam o clítoris, dilacerando-lhes outras partes do órgão genital, morrendo muitas delas, com hemorragias e infecções.
É um ritual bárbaro de algumas raças que, vivendo ainda na idade das trevas, fazem isto às suas meninas para que elas, quando adultas, tenham vergonha do seu sexo e não se deixem seduzir. Não sentindo prazer no coito, mantêm-se fiéis servindo apenas para procriar. Há casos que, quando se tornam mulheres e se apercebem desta crueldade, se suicidam.
Contou um camarada que a sua Companhia numa incursão a uma tabanca, atraídos por gritos lancinantes, julgando haver terroristas aí acoitados a infligirem torturas à população, verificaram que estes gritos tinham origem neste selvático ato, a que chamam “o fanado”, chegando a tempo de impedir a continuação de tal barbárie, havendo muitas meninas que se desprenderam das mãos dos seus algozes, procurando refúgio nos braços dos militares.¹
Disse ainda este camarada que, para intimidarem os responsáveis, tiveram de pegar fogo a algumas moranças, (palhotas), e que voltariam para pegar fogo à tabanca se insistissem em continuar.
Disse outro camarada que há populações no interior, marcadamente muçulmanas, que chicoteiam as mulheres até à morte ao serem consideradas culpadas de adultério, sendo normais os castigos corporais por infracção aos costumes impostos pela sua religião e raça.
  
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¹ [É com espanto que, 40 anos depois de ter manuscrito esta insólita crueldade, vejo nas notícias dos canais da informação uma menina a ser resgatada aos seus algozes e salva a custo desta atrocidade.]

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