1968
12 de Setembro
Quinta-feira, 21h00
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Ânsia! Expectativa!
Há momentos que o coração bate mais depressa. Fala-se em barco fretado para o
dia seis do próximo mês mas, ainda, não está confirmado oficialmente.
Eu e o meu camarada Araújo já pedimos ao nosso chefe de
serviço para nos fazer as notas de dispensa do serviço.
O camarada Araújo tem mais garantias de dispensa de
serviço, por não precisar de substituto. O meu substituto vem da Metrópole e
até já foi requerido. Mas antes que cá chegue! O meu chefe disse que me
dispensava se eu arranjasse um camarada que
desenrascasse o meu serviço e, à hora do almoço, fui à Companhia, arranjei
um que bem pode substituir-me. Até parece que eu sou insubstituível!
Não posso deixar de aqui referir um episódio que se passou
comigo, no entremeio destes dois capítulos, deveras curioso que me deixou
estupefacto e prostrado.
Era um Domingo de tarde e, na companhia de mais dois
camaradas, com o objetivo de satisfazer o nosso apetite carnal, fomos dar uma
volta por uma zona de tabancas nos
arrabaldes, a norte da cidade.
Aí, logo no começo da tabanca,
encontrámos umas casas que, não sendo casa nem palhota, eram um misto de paredes
de alvenaria caiadas a branco com telhado de zinco malhado de ferrugem.
É normal encontrar-se este tipo de habitações no confronto
da cidade que, por isso, beneficiam de algum conforto citadino, como a água e a
luz.
Se prosseguisse-mos para o interior, entrava-mos
verdadeiramente na tabanca e iríamos,
então, encontrar as palhotas com
paredes de adobe, telhados de palha, alguns revestidos a barro e outros de
zinco, e o chão em terra batida, sem qualquer conforto ou higiene, coabitando
no mesmo espaço, com os humanos, animais como; porcos, cabras, galinhas e até
macacos.
Ficámos por ali, e metemos-nos à conversa com umas mulheres
que por aí estavam na cavaqueira, no exterior de uma destas casas, ora sentadas
na soleira, ora encostadas aos umbrais das portas.
E porque a experiência lhes diz ao que vamos, perguntaram
logo:
- Eh, branco parte catota?
Lá nos espalhamos, um por cada casa.
Como algures já disse, nesta situação, isto não dá para
escolher. Com o isco que temos, é o que vem à rede e à que despachar para não
enjoar.
A mulher ao
desprender e deixar cair no chão a capulana,
veste em tecido que envolvia a sua nudez, deixou evidentes as linhas do seu
corpo que, não sendo nenhuma bajuda,
ainda era muito nova.
Além das linhas sinuosas
do seu corpo tinha, até, uma cara bonita sem o nariz achatado nem o traseiro
alçado; os peitos eram pequenos, ainda espetados e a sua pele era de uma cor
bronze aveludada. O cenário da alcova, não sendo nada de especial, para além de
uma cama em ferro, estava em consonância com o acto animalesco que se iria
seguir.
É então que acontece o insólito ao verificar, quando ela 'abri pé”, que o seu sexo está
totalmente mutilado.
Fiquei de tal forma perplexo que pensei porque isto me
acontece a mim, lembrando-me de um outro episódio, também ele insólito, que me
aconteceu no início pouco depois de cá ter chegado.
É evidente que a “verga”
foi-se logo abaixo. Nem de outro modo ela se ergueria. Agora, depois do que vi,
só um milagre: - disse-lhe.
Comecei a vestir-me, ao mesmo tempo que me interrogava: - Se
ela não tinha tatuagens incrustadas no corpo, como muitas têm, porquê ali?
Reparando que ela ficou triste e amuada, perguntei-lhe se o
que vi tinha algo a ver com as tatuagens de protuberâncias que certas raças
fazem na pele, ou o que era aquilo. Ela respondeu-me que não. Não tinha nada a
ver, dizendo:
- Quando “i
minina, na dia garandi na tchom, cu mas
minina, fasi maldádi a catota di
nós”.
Enojado e confuso com tal descrição e o calor que se fazia sentir
dentro da casa, transmitido pelo telhado de zinco, comecei a sentir náuseas e,
pagando-lhe, saí afrontado para a rua apanhar ar. Ela, pouco depois, embrulhada na
capulana, sai a correr e quer
devolver-me o dinheiro, o que não aceitei.
Regressámos os três à cidade e pelo caminho contei aos meus
camaradas o que me tinha acontecido.
Admirados, mas com o à-vontade dos entendidos, diz-me um:
- O quê! Não me digas que, depois desta
abstinência toda, não “desenferrujastes o
prego”!
Diz o outro:
- Eh pá! A mim, já não tem conta, as “nharras” que me saem na rifa com a “racha” assim!
Sentamo-nos à mesa do café e então, conversando com outros
camaradas regressados do ‘mato’, fiquei
a saber que há raças, sobretudo da religião muçulmana, como: a futa-fula; a
mandinga; a biafada; entre outras que, num ritual coletivo de crença religiosa,
em certa data do ano, agrupam todas as meninas da tribo e, a sangue frio,
amarradas pelos próprios parentes, lhes extirpam o clítoris, dilacerando-lhes
outras partes do órgão genital, morrendo muitas delas, com hemorragias e infecções.
É um ritual bárbaro de algumas raças que, vivendo ainda na
idade das trevas, fazem isto às suas meninas para que elas, quando adultas,
tenham vergonha do seu sexo e não se deixem seduzir. Não sentindo prazer no
coito, mantêm-se fiéis servindo apenas para procriar. Há casos que, quando se
tornam mulheres e se apercebem desta crueldade, se suicidam.
Contou um camarada que a sua Companhia numa incursão a uma tabanca, atraídos por gritos lancinantes,
julgando haver terroristas aí acoitados a infligirem torturas à população,
verificaram que estes gritos tinham origem neste selvático ato, a que chamam “o fanado”, chegando a tempo de impedir
a continuação de tal barbárie, havendo muitas meninas que se desprenderam das
mãos dos seus algozes, procurando refúgio nos braços dos militares.¹
Disse ainda este camarada que, para intimidarem os
responsáveis, tiveram de pegar fogo a algumas moranças, (palhotas), e que voltariam para pegar fogo à tabanca se insistissem em continuar.
Disse outro camarada que há populações no interior,
marcadamente muçulmanas, que chicoteiam as mulheres até à morte ao serem
consideradas culpadas de adultério, sendo normais os castigos corporais por
infracção aos costumes impostos pela sua religião e raça.
_____________
¹ [É com espanto que, 40 anos depois de ter manuscrito
esta insólita crueldade, vejo nas notícias dos canais da informação uma menina
a ser resgatada aos seus algozes e salva a custo desta atrocidade.]
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